Cerrado perdeu 20 milhões de hectares de vegetação nativa para o fogo em 17 anos
Dados apontam que, entre 2003 e 2020, queimadas avançaram e atingiram área 1,3 vez maior que a desmatada
Cidades|Victoria Lacerda, do R7, em Brasília

Entre 2003 e 2020, o Cerrado perdeu cerca de 20 milhões de hectares de vegetação nativa em incêndios que começaram em áreas desmatadas. O número equivale a mais de 24 milhões de campos de futebol queimados, segundo estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em parceria com instituições estrangeiras.
A pesquisa mostra que o fogo usado para limpar áreas recém-desmatadas frequentemente escapa para além dos limites previstos, atingindo regiões de mata nativa em proporções ainda maiores que o desmatamento inicial. Em média, a área de vegetação nativa queimada corresponde a 1,3 vez a área convertida.
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“Esse impacto indireto costuma ser ignorado nas estatísticas, mas amplia a destruição ambiental”, afirma Ana Carolina Pessôa, pesquisadora do Ipam.
Propriedades privadas concentram maior parte da área queimada
De acordo com o estudo, apenas 7% dos focos de incêndio iniciados em áreas desmatadas se mantiveram s a essas regiões. A maior parte do fogo se espalhou, atingindo sobretudo vegetação nativa em propriedades privadas, que somam 14,7 milhões de hectares queimados — uma perda de 27% da cobertura vegetal.
Áreas públicas de uso sustentável tiveram 1,4 milhão de hectares atingidos. Já as terras indígenas, mesmo com índices baixos de desmatamento, também foram impactadas: 1,2 milhão de hectares foram queimados por incêndios relacionados ao desmate.
O uso do fogo é comum no Cerrado para preparar o solo para a agricultura ou pastagem após a derrubada da vegetação. Embora o bioma tenha um ciclo natural de fogo e práticas tradicionais de queima, a frequência e a intensidade das queimadas provocadas por humanos têm provocado desequilíbrios ambientais.
“Quanto mais fogo, mais propenso o ambiente fica para novos incêndios. Isso acelera a perda de biodiversidade, aumenta as emissões de carbono e agrava a crise climática”, explica Ana Carolina.
Como o estudo foi conduzido
Os pesquisadores analisaram incêndios que começaram dentro ou até 1 km de áreas desmatadas, e que ocorreram em até dois anos após a derrubada da vegetação. Foram usados dados do Prodes Cerrado (do Inpe), da plataforma MapBiomas e do Global Fire Atlas, que ajuda a rastrear a origem dos focos.
A pesquisa abrange cinco estados — Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — e identificou dois picos históricos de desmatamento: entre os anos 1970 e 1990 em Mato Grosso, e entre 2007 e 2008 nos estados do Matopiba (região agrícola formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Essa última voltou a registrar os maiores índices de desmatamento do país em 2023 e 2024.
Segundo Ana Carolina, apesar de o Cerrado permitir um bom monitoramento via satélite, controlar o fogo ainda é um desafio, já que a vegetação seca e aberta facilita a propagação das chamas.
Tocantins lidera ranking de área nativa atingida
O Tocantins foi o estado com maior taxa de “escape” do fogo: 96,5% da área queimada por incêndios iniciados em áreas desmatadas atingiu vegetação nativa, totalizando 6,4 milhões de hectares — ou 33,1% da vegetação do estado. Mato Grosso aparece em seguida, com 96,8% e 4,8 milhões de hectares. No Maranhão, o índice foi de 92,2%, com 4,5 milhões de hectares queimados.
A Bahia foi a única exceção, onde a área desmatada foi maior do que a área de vegetação nativa atingida: 86,6% do fogo se espalhou para além da área convertida.
Alta nos focos em 2024 acende alerta
Dados do BD Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mostram que o Cerrado já registrou 81.432 focos de incêndio em 2024 — um aumento de 60% em relação ao mesmo período de 2023.
Para Ana Carolina, os dados reforçam a necessidade urgente de políticas públicas que unam combate ao desmatamento, prevenção de incêndios e manejo adequado do fogo — respeitando as especificidades do território e das comunidades tradicionais.
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