Fase de interrogatórios sobre tentativa de golpe acaba no STF: veja o que acusados disseram
Sessões com os oito investigados, incluindo Jair Bolsonaro, marcaram etapa decisiva do inquérito sobre articulações golpistas
Brasília|Gabriela Coelho, do R7, em BrasíliaOpens in new window e Victoria Lacerda, do R7, em Brasília

O interrogatório dos oito acusados de tentativa de golpe de Estado em 2022, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro, terminou após dois dias no STF (Supremo Tribunal Federal). O destaque deste terça-feira (10) veio com as declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou para sua sessão com exemplar da Constituição nas mãos.
Durante o interrogatório conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro reafirmou nunca ter tratado de golpe. “Da minha parte, ou da parte dos comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável”, sentenciou.
“O golpe até seria fácil de começar. O day after [dia seguinte] é que seria imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia ar por uma experiência dessas”, analisou.
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Segundo ele, tratou com militares apenas de medidas dentro da Constituição. Negou ter articulado uma tentativa de golpe de Estado, mas itiu ter buscado alternativas constitucionais para “atingir o objetivo que não foi alcançado no TSE”.
“Isso foi descartado já na segunda reunião”, ponderou.
Acompanhe:
Lisura das urnas
Bolsonaro também tentou justificar declarações sobre as urnas eletrônicas como parte de um histórico de críticas “dentro da legalidade” e não como um plano de ruptura institucional. Segundo ele, as dúvidas sobre as eleições não eram infundadas, mas sim alimentadas por manifestações legítimas.
“As críticas eram públicas. Mas nunca falei em fraude de forma leviana. Sempre defendi que o sistema deveria ter mais transparência.”
Moraes interrompeu os argumentos relacionados às urnas eletrônicas e “deu uma bronca” no ex-presidente, afirmando que o inquérito em curso não trata de supostas vulnerabilidades do sistema eleitoral, mas sim da tentativa de golpe de Estado após o resultado das eleições de 2022.
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‘Não houve pressão’
Bolsonaro negou ter feito pressões sobre o então ministro da Defesa Paulo Sérgio para a produção de um relatório sobre a lisura do sistema eleitoral.“Jamais pressionei seja o ministro que for”, declarou. “Não houve pressão em cima dele para fazer isso ou aquilo. O relatório dele contou com meu acordo.”
Na segunda-feira (9), durante o interrogatório, o delator do caso, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid fez uma análise diferente. Ele considerou que Bolsonaro queria um documento “duro” contra as urnas.
“Essa pressão realmente existia. O general tinha uma conclusão para um lado mais técnico. E se tinha a tendência de fazer algo voltado mais para o lado político. Chegou-se a um meio termo”, disse.
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Veja o interrogatório de Bolsonaro:
Braga Netto
O dia foi encerrado com o interrogatório de Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato à vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
O militar negou ter tomado qualquer atitude para intimidar os chefes das Forças Armadas com o objetivo de pressioná-los a apoiar um suposto plano golpista.
“Jamais ordenei ou coordenei ataques contra qualquer chefe militar. Pelo relacionamento que eu tinha com eles, se tivesse algo a dizer, falaria pessoalmente. Não tinha contato para isso e não coordenei nenhuma ação desse tipo”, declarou o general.
Ele também disse que nunca tinha ouvido falar nos planos Punhal Verde-Amarelo e Copa 2022, que supostamente planejavam a morte de políticos, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e de ministros, como Alexandre de Moraes.
Ex-ministro Paulo Sérgio
Ainda na parte da tarde, após Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio começou o interrogatório pedindo desculpas públicas por críticas ao TSE e a Moraes.
“Inicialmente, presidente, eu queria me desculpar publicamente por ter feito aquelas colocações naquele dia”, afirmou.
Paulo Sérgio explicou que, ao assumir o Ministério da Defesa em abril de 2022, ainda carregava uma postura ligada à sua formação militar. “Talvez, com aquela postura de militar, e vendo aos poucos que na Defesa as coisas seriam diferentes”, disse.
Ele também afirmou que o ex-presidente Bolsonaro jamais o pressionou para adiar ou modificar o relatório das Forças Armadas sobre o processo eleitoral de 2022.
“Jamais o presidente da República me pressionou, seja para mandar um relatório só no segundo turno, seja para alterar o relatório. O que me deixa de cabeça quente é saber, pela denúncia, que eu havia alterado esse relatório. Isso não é verdade”, declarou Nogueira.
General Heleno
O primeiro interrogado do dia foi o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, seguido do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do general da reserva Augusto Heleno.
O advogado do militar, Matheus Milanez, afirmou que o cliente só responderia aos questionamentos feitos pela defesa. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, aceitou a colocação, mas mesmo assim fez as perguntas.
Para a defesa, Augusto Heleno negou qualquer tipo de participação na tentativa de golpe. Disse que não tinha o que as investigações chamaram de “caderneta do golpe” e nem influenciou politicamente seus funcionários do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
“Não havia clima para fazer pregação política e nem utilizar os servidores do GSI para atitudes politizadas”, disse. Apesar de se dizer a favor do voto impresso, Heleno assegurou que não contribuiu para divulgar desinformação sobre fraude em urnas eletrônicas. “Não, não tinha nem tempo para fazer isso.”
Assista ao interrogatório de Augusto Heleno:
Anderson Torres
Moraes questionou Torres sobre as declarações dele sobre fraude no sistema de urnas eletrônicas. Também sobre falas agressivas que poderiam suscitar dúvidas sobre a agem de poder para Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito.
Torres, segundo interrogado do dia, afirmou que o material que chegou a ele era somente sobre melhoria das urnas.
“Tecnicamente, não temos nada que aponte fraude nas urnas. Quando era questionado pelo presidente, sempre falava que não tinha nada sobre o assunto”, confirmou.
Moraes também questionou sobre uma fala de Torres em reunião com Bolsonaro e outros ministros, dizendo que “todos iam se foder”.
“Peço desculpas pelas palavras, era uma reunião fechada. Acabei me excedendo, não estava bem. O que eu quis dizer é que se perdêssemos as eleições, tudo seria perdido”, explicou Torres.
O ex-ministro também lembrou que estava em um parque de diversões na Flórida quando recebeu a notícia da invasão na Praça dos Três Poderes. “Mandei mensagem para o meu secretário e falei: ‘Não deixa chegar no Supremo’. Fiquei desesperado e liguei para todo mundo. A grande verdade é que o protocolo que deixei teve uma falha grave”.
E afirmou que a minuta do golpe encontrado na casa dele não era para ser discutido, que não sabe quem fez. “Eu levava documentos para casa, eu nem me lembrava desse documento. Foi uma surpresa quando a Polícia Federal pegou. Foi parar na minha casa, mas eu nunca discuti isso”, garantiu.
Confira o interrogatório de Anderson Torres:
Garnier
Segundo o almirante Garnier, não houve minuta de golpe de Estado, mas somente parte de uma análise do cenário político do Brasil, com informações, por exemplo, sobre caminhoneiros e do processo eleitoral.
“Não vi minuta, vi informações em tela de computador. Não recebi um documento”, garantiu Garnier, o terceiro interrogado no dia.
Ele confirmou ter se encontrado com o ex-presidente Jair Bolsonaro após a derrota nas Eleições de 2022, mas negou ter colocado as tropas à disposição para uma suposta manutenção do poder. “Nunca falei essa frase”, completou.
“O presidente [Jair Bolsonaro] tinha preocupação com pessoas que estavam insatisfeitas e estavam nos quartéis. Não se sabia para onde ia o movimento”, afirmou Garnier.
Em relação às reuniões após as eleições, Garnier explicou que a principal preocupação do então presidente e dos membros do ex-governo eram as “inúmeras pessoas que estavam, digamos assim, insatisfeitas e se posicionavam”.
Veja o interrogatório de Garnier:
Mauro Cid
No primeiro dia do interrogatório, o delator Mauro Cid relatou que Bolsonaro apostava em fraude ou pressão popular para tentar reverter resultado das eleições.
“A primeira hipótese era encontrar fraude nas eleições. A outra, por meio do povo radical, encontrar uma fórmula que permitisse reverter a situação.”
Segundo o delator, Bolsonaro recebeu a minuta de golpe e teria “enxugado” o documento original.
“O presidente Jair Bolsonaro recebeu e leu esse documento. E fez algumas alterações no documento. De certa forma, enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões”, disse Cid, completando que apenas Moraes foi mantido nessa lista de presos.
Cid reafirmou que não foi coagido a delatar os casos. E que áudios com críticas à delação foram desabafos em meio a crise pessoal.
Veja interrogatório de Mauro Cid:
O advogado de Bolsonaro, Celso Sanchez Vilardi, perguntou se Mauro ouviu de Bolsonaro que, sem a comprovação de fraude nas eleições, não haveria espaço para qualquer tipo de ação institucional.
“A questão era: se não houvesse fraude, nada ia acontecer. Se houvesse fraude, ele agiria. Essa era a lógica. ‘Não foi encontrada a fraude, nada vai acontecer’, foi o que ele repetiu em diversas mensagens a diferentes interlocutores.”
Segundo Cid, essa avaliação era compartilhada desde o início com aliados e militares próximos. Mas sabia que a posição das Forças Armadas não era de golpe.
“Independente do que acontecesse nas eleições, dificilmente algo seria feito. Sem o apoio das Forças Armadas, não teria como seguir com nada”, avaliou.
Cid repetiu que nunca ouviu de Bolsonaro algo do tipo: “‘Temos que achar uma fraude’ ou ‘Precisamos forjar algo para decretar alguma coisa’”. “Não havia esse tipo de condicionante explícito da parte dele”, completou.
Ramagem
Após Cid, Moraes interrogou Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Ramagem negou ter participado da divulgação de documentos com críticas ao sistema eleitoral brasileiro.
Ele afirmou que o material atribuído a ele, contendo informações falsas sobre a empresa Positivo e desconfianças sobre as urnas eletrônicas, era um “documento privado” com “opiniões pessoais” que jamais foram compartilhadas oficialmente.
O conteúdo apresenta uma narrativa voltada a desacreditar o processo eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.
“Tudo o que coloquei nesse documento são anotações pessoais, privadas. Não houve difusão ou encaminhamento. Era algo meu, com opiniões privadas, não oficiais. Não foi compartilhado com ninguém”, afirmou Ramagem.
Confira o interrogatório de Ramagem:
Dinâmica
As audiências estão sendo realizadas presencialmente na Corte. A única exceção é o interrogatório do general Walter Braga Netto, que será feito por videoconferência, já que o militar está preso.
Estão autorizados a acompanhar os trabalhos o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os ministros da Primeira Turma: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Nesta fase processual, os questionamentos seguem a seguinte ordem: primeiro fala o juiz instrutor, ministro Alexandre de Moraes; depois, o procurador-geral da República; e, por fim, as defesas dos corréus — sempre seguindo a ordem alfabética dos réus.
À frente de Moraes, há uma mesa com dois lugares, onde se sentam o réu da vez e seu advogado. Atrás, foram organizadas oito mesas individuais, separadas por cerca de um palmo, para acomodar os demais réus e seus advogados.
Nas fileiras anteriores, podem se posicionar outras bancas de advogados. Nas laterais superiores da sala, à direita e à esquerda, estão os profissionais da imprensa.
Ordem dos réus na sala
Veja a ordem dos interrogatórios dos acusados de tentativa de golpe de Estado
Os réus estarão sentados da direita para a esquerda, na seguinte ordem:
- Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.
A expectativa é de que o julgamento do “núcleo 1″ ocorra entre setembro e outubro deste ano.
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