Em 16 de maio de 2022, a polícia de São Paulo encerrava parte da caçada por um criminoso que matou uma família no bairro da Pedreira, na zona sul de São Paulo. A mensagem chegou de repente para a imprensa, curta e objetiva: “Para conhecimento, Cupertino foi preso”.
Tudo aconteceu dois anos antes, em 9 de junho de 2019, quando Rafael Miguel, à época com 22 anos, Seu João Alcisio, de 52, e Dona Mirian, de 50, foram até a Estrada do Alvarenga dar uma carona para Isabela Tibcherani, de 18 anos, namorada de Rafael e filha de Cupertino. Segundo a jovem, não houve diálogo ao chegar no local: o pai dela apenas abriu a porta de sua casa, a “puxou” para dentro e disparou contra os três.
Rafael foi assassinado com sete tiros, um deles na cabeça. João foi atingido por quatro tiros e caiu no meio da rua, enquanto dava a volta no carro após ter estacionado. Mirian caiu no meio-fio depois de ser atingida por dois tiros, como se estivesse “defendendo” o filho – pela posição em que os corpos ficaram. Cupertino exterminou a família por não aceitar o namoro da própria filha com Rafael.
Paulo Cupertino Matias nasceu em 1970, mas já antes de completar duas décadas de vida, foi indiciado por crime de contravenção (que são infrações de menor gravidade). Aos 20 anos, foi preso em flagrante por furto. Três anos depois, teve o nome envolvido em um inquérito de roubo a uma transportadora no litoral de São Paulo. Cupertino foi absolvido por esse ‘último’ crime em 1998, quando Rafael Miguel, uma de suas vítimas do assassinato, tinha apenas dois anos de idade. O criminoso foi preso em 1994 em São Vicente, no litoral paulista, mas já estava nas ruas poucos meses depois. A ficha criminal nunca parou de crescer. Muito antes de matar o jovem ator e os pais dele, Paulo teve tempo para se ‘especializar’ no mundo do crime. Como pontuado pelo jornalista Percival de Souza no blog Arquivo Vivo, ‘para ser tão violento é preciso, primeiro, aprender a odiar. Cupertino transformou-se em símbolo desse ódio mortífero, que não nasce de repente, pois é alimentado gradativamente, até chegar ao extremo’.
Prisão
No dia da prisão, o assassino entrou na delegacia cercado de autoridades policiais e da imprensa. Em meio à multidão de jornalistas, a repórter do Cidade Alerta, Grace Abdou, conseguiu ficar frente a frente com Cupertino e indagá-lo: “Por que você fez isso?”. Foi grande o espanto ao ouvi-lo dizer que ‘não havia matado ninguém’, e que a Justiça iria ‘provar quem fez isso’. Mas as imagens de câmera de segurança que o capturaram fugindo do local na data e no horário do crime e as muitas testemunhas que relatam o seu perfil agressor no dia do julgamento, só reforçaram as provas contra ele.
Fuga
Foram três longos anos, de junho de 2019 até a captura do assassino, em maio de 2022, quando ele foi encontrado escondido em um hotel em Interlagos, na capital paulista, na mesma região onde cometeu o crime. Durante o período em que esteve foragido, teria circulado por diferentes cidades e estados, chegando, inclusive, a sair do Brasil com documentos falsos feitos em Jataizinho, no Paraná. O criminoso também ou um tempo em Eldorado, no Mato Grosso do Sul. Dali, fugiu para o Paraguai para trabalhar em uma fazenda de soja, onde chegou a ser fotografado, mas ninguém o reconheceu.
Durante o projeto de fuga, ele recorreu a inúmeros disfarces, tentou modificar a própria aparência e até fingiu ser um trabalhador comum, como se descreveu enquanto depôs em seu interrogatório. Ao ser capturado, trajava um chapéu e usava uma bengala, não tinha mais recursos para escapar.
Cupertino não fugiu por conta própria. Eduardo José Machado, o “Eduardo da pizzaria”, de 45 anos, e Wanderley Antunes Ribeiro Senhora, de 59, foram apontados como cúmplices. Os dois foram absolvidos na sentença final, mas, durante o julgamento, Wanderley acabou o “entregando” e contando que o comparsa disse ter ‘dado uns tiros’ e que ‘não iria se entregar’. Um homem chamado Alfonso Helfenstein, piloto foragido e proprietário do sítio onde Cupertino ficou escondido, também teria feito parte dessa “ajuda”.
Malabarismo judicial
Após ter sido remarcado desde outubro de 2024, o júri popular foi previsto para maio de 2025. Ele tentou driblar a Justiça de muitas formas. O fato de a filha não querer prestar depoimento na sua frente foi razão suficiente para se revoltar a ponto de abaixar as calças e urinar nas paredes, e na sequência destituir o próprio advogado.
Antes disso, em uma das primeiras tentativas de chamar atenção da mídia que ele diz ‘contaminar’ o processo, Cupertino escreveu à Justiça uma carta de nove páginas com um pedido de habeas corpus (que visa proteger uma pessoa de ser presa ilegalmente) e alegando ter sofrido agressões que nunca foram comprovadas.
Pouco antes do primeiro julgamento, a defesa do assassino fez uma exigência um tanto quanto curiosa: que ele estivesse sentado no banco dos réus usando roupa comum, não o uniforme do presídio e sem algemas. A alegação é que “isso feriria a dignidade dele”. Para o segundo ‘round’ do julgamento, o pedido foi ainda mais audacioso: júri com porta fechada, sem fotos e informações à imprensa. Todos negados, exceto os pedidos sobre a roupa e algemas. Uma fala contraditória em relação ao que ele mesmo disse no primeiro dia, quando afirmou ser a pessoa que ‘mais queria que esse julgamento acontecesse’.
A polícia de São Paulo prendeu, nesta segunda-feira (16), Paulo Cupertino. Ele é acusado de ass o ator Rafael Miguel, que fez a novela Chiquititas, e os pais do rapaz
A polícia de São Paulo prendeu, nesta segunda-feira (16), Paulo Cupertino. Ele é acusado de ass o ator Rafael Miguel, que fez a novela Chiquititas, e os pais do rapaz
Na mesma semana, na tentativa de escapar da condenação de um júri popular, escreveu mais uma carta, dessa vez de cinco páginas, pedindo novamente o adiamento do júri, pois estaria com a visão comprometida.
O dia do júri
O relógio marcava 11 horas em ponto no primeiro dia do júri, 29 de maio de 2025, quando o Conselho de Sentença, desta vez composto por quatro homens e três mulheres, foi formado. Na primeira tentativa, o grupo — majoritariamente composto por mulheres — também causou irritação em Cupertino, que exigia um processo “justo”. A série de depoimentos teve início com Isabela, que foi a primeira a prestar seu testemunho. Em seguida, Maria Gorete, irmã de Mirian, umas das vítimas, foi testemunha de acusação. Vanessa, a mãe de Isabela, foi a próxima a ser ouvida. Frisou como Paulo era um homem violento, assim como disse a filha. Camilla Miguel, irmã de Rafael, chorou enquanto contou como deu a notícia da morte dos pais à irmã caçula, com 13 anos na época do crime, que ficou até a noite esperando os pais voltarem para a casa para almoçar. Maria Quitéria de Oliveira, ex-mulher de Paulo Cupertino, alegou nunca ter sido agredida pelo comerciante e queixou-se da “vida dupla” que ele levava.
Cupertino entrou no plenário às 18h34 acompanhado de três advogadas, após reclamar que o Estado o havia designado o mesmo defensor público que ele próprio destituiu no primeiro júri. Trajava uma calça jeans e camisa verde de mangas compridas, usava óculos e estava com o cabelo do exato jeito do dia do crime. Mais magro, sequer esperou se sentar para dizer: “É impossível eu ter cometido esse crime”. Chegou a afirmar que tem ‘orgulho do próprio sobrenome’, o mesmo que os filhos evitam mencionar. Assim como na carta enviada à Justiça em que pede que ‘se presuma sua “inocência”’, se comprometeu ao declarar que não ‘havia matado mais ninguém’.
“No sábado, foi o último dia que tive o à minha família. No domingo [dia do crime], eu estive lá, mas não vou falar, não.”
Paulo Cupertino não falou sobre o dia do crime. Em vez disso, encheu seus relatos de detalhes que sequer foram perguntados pela própria advogada e usou palavras rebuscadas o tempo todo. Em certo momento, virou a cadeira para trás, como se estivesse em uma mesa de bar com os amigos, a ponto de o juiz ter de lembrá-lo que ele estava em um interrogatório.
“Quando eu encosto a cabeça no travesseiro, eu durmo. Por essa situação a qual estou sendo acusado, eu durmo. Quanto às outras coisas, não posso dizer o mesmo.”
No segundo dia de julgamento, trajava as mesmas vestes e, de chinelos e pernas cruzadas, bufava como se já tivesse ado por aquela situação muitas vezes. Paulo Cupertino tentou, a todo custo, atingir a memória das vítimas. “Lamentou” não ter conhecido Rafael nem pais dele e negou qualquer conhecimento sobre o crime. Criou um enredo que, ora o colocava na cena do crime e ora tirava. Em determinado momento, referiu-se a Rafael com a frase: “Quem era ele? Um garoto que fazia comercial”.
Rafael estava afastado do mundo televisivo quando tudo aconteceu, mas, desde pequeno, colecionava papéis em novelas e no famoso comercial do brócolis, que marcou sua carreira. Mesmo longe das telas e ansiando por seguir caminhos distintos, o jovem, que dava aulas de inglês e, nas horas vagas, dedicava seu tempo a produzir um podcast em outro idioma, continuava reconhecido pelo público.
Desfecho
O caso chegou ao fim: depois de nove horas de debates entre os advogados de defesa e acusação, o júri leu a sentença: Paulo Cupertino foi considerado culpado pelos três homicídios e condenado a 98 anos de prisão em regime fechado.
Segundo o advogado e comentarista do Cidade Alerta, Roberto Guastelli, o Código Penal previa que o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade era de 30 anos. No entanto, esse limite foi alterado em 2019 — justamente o ano em que o crime ocorreu — ando a ser de 40 anos. “Como Cupertino, que está com 54 anos, cometeu o crime antes de entrar em vigor a alteração do Pacote Anticrime, muito provavelmente cumprirá 30 anos de prisão”, esclarece Guastelli. Assim, ele poderá deixar a cadeia entre os 84 e 92 anos de idade.
O criminoso conseguiu, afinal, a pena que desejou durante seu depoimento: “Se vocês, jurados, acham que sou culpado pelo crime, eu não quero pegar 20, 30 anos de prisão, não. Eu quero que venham com ‘chapuletada!’”.
Assista à matéria do Cidade Alerta:

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