Fim da guerra? Entenda as possibilidades de um acordo de paz na Ucrânia após telefonema de Trump
Com o telefonema de Trump a Vladimir Putin e a reunião esperada entre norte-americanos e russos, aumentaram as expectativas de que as negociações encerrem três anos de luta
Internacional|Anton Troianovski, do The New York Times

Berlim – Donald Trump diz que quer “fechar um acordo” para “acabar com essa guerra ridícula” na Ucrânia. Com o telefonema que deu a Vladimir Putin e a reunião esperada entre norte-americanos e russos esta semana, na Arábia Saudita, aumentaram as expectativas de que as negociações encerrem três anos de luta. Mas como realmente funcionam esses diálogos? Quem está envolvido? Como seria o pacto resultante deles?
O “The New York Times” vem levantando essas questões desde o início da guerra, em 2022, quando as conversações diretas entre a Ucrânia e a Rússia não conseguiram selar um acordo de paz. Para resumir o que sabemos até o momento, segue aqui nosso guia para um possível entendimento pela paz.
Hoje, a Ucrânia tem poucas opções para reverter os ganhos recentes conquistados pelos russos no campo de batalha, ou seja, qualquer acordo provavelmente envolverá concessões difíceis, que podem ser vistas como uma recompensa de Trump à agressão do russo. Significa também que é mais que certo que a Rússia vai endurecer esse processo.
Putin, porém, pode ter incentivos próprios para aceitar um acordo – afinal, sua economia corre o risco de ver uma inflação incontrolável consequente dos imensos gastos bélicos, e seu Exército está sofrendo mais de mil baixas por dia. Sem contar que pode abrir caminho para a redução das sanções ocidentais.
As negociações serão extremamente complicadas. Muitos duvidam que Putin entrará no processo de boa-fé, enquanto a Europa e a Ucrânia temem que Trump não resista à tentação de selar um pacto com o Kremlin sem sua participação. Por outro lado, é fato que russos e ucranianos fizeram algum progresso quando engajados em contato direto, no início de 2022. Além disso, alguns especialistas acreditam que o resultado final consiga satisfazer Putin e, ao mesmo tempo, preservar alguma forma de soberania e segurança para a Ucrânia.
Quem são os participantes?
O objetivo do governo Biden era isolar a Rússia no nível diplomático, e defendia o princípio de que quaisquer negociações sobre o destino da Ucrânia teriam de envolver representantes desse país. Em 12 de fevereiro, Trump rompeu com essa regra ao discutir a guerra exaustivamente no telefonema a Putin e afirmar que “informaria” Volodimir Zelenski sobre o teor da conversa.
Agora é a Ucrânia que parece estar isolada, uma vez que seu presidente afirmou não ter sido nem convidado para as discussões entre membros do alto escalão dos EUA e da Rússia na Arábia Saudita. Os europeus também podem ficar de fora, mesmo que o volume total de sua ajuda enviada à Ucrânia – cerca de US$ 140 bilhões – seja maior do que a contribuição norte-americana.

Trump disse que “provavelmente” se reunirá com Putin na Arábia Saudita em breve. O Catar, os Emirados Árabes Unidos e a Turquia têm servido de palco para as discussões entre russos e ucranianos em questões como troca de presos e a navegação no Mar Morto.
Território
A Ucrânia declarou que jamais reconhecerá nenhuma alteração em suas fronteiras; já a Rússia não só reivindica os 20% do território que já controla, mas também uma parte das quatro regiões que não domina completamente.
Um meio-termo possível seria encerrar a disputa como está, com a Rússia no controle do que já tem, mas sem brigar por mais. Nem a Ucrânia nem o Ocidente reconhecem formalmente suas anexações, mesmo com as exigências territoriais mais amplas. Um acordo pode estipular que essas disputas sejam resolvidas pacificamente em algum momento no futuro – em dez ou 15 anos, como propam os negociadores ucranianos em relação à situação da Crimeia nas negociações de 2022.
Um ponto delicado: Kursk. A Ucrânia ainda retém mais de 515 km² do território russo, e a Rússia rejeita a ideia de a região ser usada como moeda de troca em quaisquer negociações futuras. Entretanto, se os diálogos começarem antes que os russos consigam expulsar o inimigo, os ucranianos ainda poderão encontrar um meio de discutir a retirada mediante uma concessão russa.
A Otan e a União Europeia
Ao mesmo tempo que reivindica o território invadido pelos russos, a Ucrânia já deixou bem claro que sua segurança futura também é de extrema importância, referindo-se às proteções contra novas agressões – e, para isso, descreve a adesão à Otan como fundamental. Já a Rússia descreve essa possibilidade como “ameaça existencial” à própria segurança.
O governo Trump já deixou claro que dará carta branca à Rússia nesse aspecto. Abrir caminho para a entrada dos ucranianos na União Europeia, mas não na Otan, pode ser uma opção. Antes do colapso das negociações de 2022, os russos concordaram com a linguagem do projeto de tratado que dizia ser “compatível com uma possível anuência à entrada da Ucrânia na União Europeia”.

Garantias de segurança
Sem a participação de seu país na Otan, Zelenski sugeriu o destacamento de uma força de segurança de 200 mil membros para garantir o cessar-fogo, que, segundo os analistas, o Ocidente não tem condições de bancar. Em 16 de fevereiro, o britânico Keir Starmer afirmou que seu país está pronto para enviar forças de paz, mas não especificou números.
Entretanto, a Rússia quer “garantias de segurança” próprias, para assegurar que a Ucrânia não tente reerguer sua capacidade militar e recuperar o território perdido, exigindo um limite para as Forças Armadas e a proibição de tropas estrangeiras no país.
A costura desse arranjo é amplamente considerada a parte mais difícil de qualquer acordo. Uma equipe liderada por Marc Weller, professor de direito internacional de Cambridge especializado em negociações de paz, criou uma versão que pode selar um compromisso: a manutenção da paz na linha de frente por uma força de 7.500 soldados de países aceitos pelas duas partes.
A proposta prevê sanções imediatas contra ambas em caso de retomada das hostilidades. Isso permitiria também que a Ucrânia executasse um número limitado de exercícios militares com outras nações e fizesse parcerias para a produção de armamentos e treinamento. Não haveria destacamento internacional permanente, mas a Ucrânia poderia receber um pequeno número de técnicos. Além disso, concordaria em proibir mísseis com alcance superior a 250 quilômetros.
O mecanismo do cessar-fogo
A duração de qualquer tipo de manutenção da paz depende dos detalhes do acordo que envolve a suspensão das hostilidades. Thomas Greminger, ex-diplomata suíço envolvido no monitoramento da trégua no leste da Ucrânia depois de 2015 e atual diretor do Centro de Genebra para Políticas de Segurança, destaca três questões principais: a primeira, a anuência em relação à “linha de contato” separando o território controlado por russos e ucranianos; em seguida, é preciso estabelecer uma “zona de desengajamento”, ou seja, neutra, para evitar que disparos aleatórios ou mal-entendidos resultem em novos combates. Por fim, é preciso estabelecer a imputabilidade dos dois lados em caso de violações.

Segundo ele, a linguagem dos pactos teria de ser “muito técnica” em relação a essas questões. “É ela que pode decidir a manutenção do cessar-fogo.”
A Otan e a Europa Oriental
Putin afirma que o objetivo de sua guerra não diz respeito só à Ucrânia, mas em fazer o Ocidente aceitar uma nova arquitetura de segurança na Europa. Semanas antes da invasão, ele apresentou um ultimato, exigindo que a Otan parasse a expansão rumo ao oriente e se retirasse de boa parte do continente. O Kremlin divulgou que, no telefonema a Trump, Putin alertou para “a necessidade de eliminar as raízes do conflito”, sinalizando assim que a Rússia deve fazer exigências que vão muito além do destino ucraniano.
Os aliados nos EUA devem alegar que um eventual recuo aumentará o risco de que a Rússia invada nações como a Polônia e as da região do Báltico; já Trump deve se mostrar favorável, dada sua renitência em relação ao envio de militares ao exterior. Esses dois detalhes devem tornar as negociações extremamente complicadas. “A meu ver, elas se desdobrarão em três níveis: EUA e Rússia, Rússia e Ucrânia e Rússia e Europa. Isso no mínimo. Não há como evitar esses processos”, declarou Greminger, que vem trabalhando com especialistas próximos aos governos envolvidos no conflito para avaliar o possível desenlace das negociações.
Trump e Putin
As exigências de Putin vão além de questões territoriais e de segurança: nas tratativas de 2022, seus negociadores deixaram clara a intenção de eliminar a identidade ucraniana, exigindo que o país adotasse o russo como idioma oficial e proibindo a identificação de locais públicos com o nome dos que lutaram pela independência. Os temas devem voltar à baila.
O russo também pode usar o estabelecimento da paz na Ucrânia para obter outros benefícios de Trump, como a suspensão das sanções. De acordo com parte dos analistas, porém, seu aparente desejo de uma relação proveitosa com Washington é que talvez seja o maior incentivo para a aceitação de um acordo. “Putin quer um relacionamento produtivo e de longo prazo com este governo. E para isso precisa estar disposto a fazer concessões”, resumiu Rose Gottemoeller, ex-subsecretária de Estado dos EUA com experiência na negociação com os russos.
(Andrew E. Kramer contribuiu para a reportagem.)
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